domingo, 14 de outubro de 2012

O drama da Alzheimer - Diagnóstico precoce é essencial






No mês em que se comemora o Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer , a FAMÍLIA CRISTÃ foi conhecer um pouco mais da realidade que é esta doença, que afeta 100 mil pessoas atualmente, mas que os especialistas defendem poderá atingir 200 mil pessoas em Portugal em 2040, em virtude do aumento da esperança média de vida e do estilo de vida sedentária que se implanta cada vez mais em Portugal. Números assustadores, que devem fazer refletir. 
 
«Tudo começou com um desprendimento. Eramos um casal muito unido, íamos a todo o lado juntos, e comecei a ver um desprendimento. Comecei a pensar: "O que é que eu fiz?", e esse desprendimento foi-se agravando. O diálogo foi acabando, o beijo acabou. Nós eramos muito de beijos, e ele deixou de querer beijos, e depois outras vezes queria, e a pessoa não adivinha quando quer ou quando não quer.» Foi porque não recebia carinho suficiente de um marido que tinha sido carinhoso durante mais de 40 anos de casamento que Patrocínia Gonçalves percebeu que algo de errado se passava com o seu Eduardo. Uma ida ao neurologista confirmou os piores receios: sofria de Alzheimer, uma doença do cérebro que se caracteriza pela morte das células cerebrais, que vão anulando a memória do doente e debilitando o estado de saúde de forma crónica e mais ou menos constante, dependendo do indivíduo e do apoio, médico e não só, que tem. «As mudanças de comportamento e de personalidade são um dos traços da Alzheimer, e a pior parte para os cuidadores e a família, pois são difíceis de gerir», explica Maria do Rosário dos Reis presidente da Associação Alzheimer Portugal, que há 25 anos trabalha as temáticas da Alzheimer no nosso país.


«O nosso trabalho fundamental é a formação e a sensibilização para o problema da Alzheimer, que ainda é muito desconhecido no nosso país, apesar de afetar 1% da nossa população, cerca de 100 mil pessoas», diz a presidente da Alzheimer Portugal. Aliás, apesar do desconhecimento que é comum na sociedade, «quando se começa a falar nesta doença há sempre alguém que conhece um amigo, um familiar, um vizinho, que tem a doença. Foi feito um inquérito a nível europeu em que era rara a pessoa que não conhece um caso, mais ou menos próximo dela», afirmou.

Um problema para toda a sociedade

Apesar de ser uma doença que atinge diretamente apenas quem dela sofre, já que não é contagiosa nem se espalha como um vírus, a Alzheimer afeta muito mais pessoas além do doente. «A Alzheimer é um problema para toda a sociedade, pois afeta não só os que têm o diagnóstico, como todos os que o rodeiam, nomeadamente os familiares, sejam mais próximos ou afastados», explica Ana Sofia Gomes, assistente social que é responsável pelo Gabinete de Apoio Psicossocial em Lisboa da Alzheimer Portugal. Maria do Rosário dos Reis explica que a doença é particularmente difícil «de gerir para o cuidador». «Por vezes estas pessoas apresentam ciúmes, mania da perseguição, e é muito difícil para o cuidador entender que o que se passa é reflexo da doença e não uma perseguição contra o próprio», explica.

Patrocínia Gonçalves sentiu tudo isto na pele, pois passou três anos com o marido com Alzheimer. «Éramos muito unidos, vivíamos um para o outro, e isso facilitou a minha tarefa depois, pois ele não ia a lado nenhum sem mim, e assim nunca se perdeu, como é costume acontecer», explica, antes de falar dos maus momentos por que passou. «Ele deixou de conhecer as pessoas, até trocava as filhas, mas a mim conheceu-me até ao fim. Só uma vez não sabia quem eu era, e isso deixou-me muito triste», reconhece, antes de contar outras fases. «Sempre o acompanhámos muito, mesmo com os médicos, mas houve uma fase de revolta por que ele passou durante esses três anos, em que tivemos mais dificuldades. Chegou a puxar-me o cabelo um dia, foi muito difícil, e os filhos foram-se muito abaixo, porque o tinham de obrigar a tomar os medicamentos, e depois ele deitava fora, etc. No entanto, o médico receitou-nos uns selos que o acalmaram e ajudaram a gerir a situação», conta Patrocínia Gonçalves.


A experiência da Patrocínia serve para ilustrar a necessidade de informação que a Alzheimer Portugal pede. «É essencial que haja formação e sensibilização, pois a qualidade de vida das pessoas melhora substancialmente. Se conseguirmos dar a conhecer a doença para que as pessoas conheçam os sinais de alerta [ver caixa] e estejam formadas, já seria muito bom», sustenta Maria do Rosário dos Reis. Isto porque não existe uma legislação específica para a Alzheimer, que nem sequer é considerada doença crónica ainda, o que não facilita o tratamento ou as estratégias a implementar. «Nós não acreditamos em medidas casuísticas, acreditamos numa estratégia em que as medidas estão todas integradas. O que queríamos, mas reconhecemos que será complicado, devido ao contexto português e europeu, era uma estratégia para as demências, que focasse todos os aspetos, desde os cuidados, à investigação, aos direitos...», defende a presidente da Alzheimer Portugal. «Temos feito diligências junto do Governo, e em outubro de 2009, a Assembleia da República aprovou duas propostas de plano nacional para as demências, mas o Governo caiu logo a seguir e isso ficou parado. Ainda não fizemos diligências com este governo, mas não nos parece que seja viável pressionar agora para que surgisse um plano nacional para as demências, pois não nos parece que fosse surgir», diz.

Em termos da sociedade, a Alzheimer representa ainda um estigma muito grande, segundo nos explica Ana Sofia Gomes, que lida todos os dias com cuidadores e doentes de Alzheimer. «Às vezes chegam-nos pessoas que vêm num estado da doença mais avançado e é complicado nessa altura ajudá-los. Às vezes demoram porque não aceitam bem a doença, ou porque a informação não lhes chega, mas esta é uma doença que ainda tem muito estigma, que tem muita falta de conhecimento por parte de quem tem o diagnóstico e de quem está a cuidar. Outras vezes também se tenta esconder o problema, e o cuidador isola-se porque toma a seu cargo o fardo, que encara como "missão", de cuidar, e muitas vezes esgotam-se nesta tarefa, porque não sabem que há apoios que podem ser dados, sejam apoios físicos, seja literatura que pode ajudar a compreender a doença», explica a assistente social, que reforça a necessidade de apoio, seja institucional, seja de amigos e família ou literatura.
Foi a pensar nisto que os filhos de Patrocínia Gonçalves insistiram que o pai fosse para um centro de dia. «A situação começou a ficar complicada, e o centro de dia acabou por ser uma boa solução. Os meus filhos insistiram, e eu acedi, porque eles estavam preocupados comigo, mas eu não queria que ele fosse para o centro de dia, queria-o ter ao pé de mim. Foram 50 anos de casamento, não foram 2 dias!»

Doentes sem acompanhamento

Maria do Rosário dos Reis explica que a falta de estratégias para as demências e as «respostas casuísticas» que se vão dando são insuficientes para fazer face ao problema. Não existem no país valências suficientes para responder às necessidades, e muitos destes idosos veem-se colocados em lares e centros de dia sem o devido acompanhamento. «Apesar de termos um cada vez maior conhecimento sobre a doença, é ainda insuficiente, e isso traduz-se em maus cuidados. Nos lares, por exemplo, por falta de preparação, condições ou pessoal, estas pessoas não são devidamente estimuladas, e é essencial que estejam ocupadas com atividades que sejam significativas para elas, mas isso nem sempre acontece, pois temos dificuldade em colocarmo-nos no lugar destas pessoas. Apesar de tudo, temos cada vez mais pedidos de instituições para formação nesta área, o que é positivo, pois as instituições percebem que os doentes com Alzheimer são diferentes e precisam de um acompanhamento específico», defende a presidente da Alzheimer Portugal.

O tipo de ajuda que cada doente e cada cuidador necessita depende muitos das suas próprias vidas e do estado em que a doença se encontra. «É preciso avaliar bem, fazer um bom diagnóstico, perceber bem as necessidades daquela pessoa que chegou até mim. Depois, temos de explicar bem os serviços que existem na associação e de que forma podemos ajudar em cada momento diferente», explica Ana Sofia Gomes.

É que cada pessoa tem a sua história, a sua família. No caso da Patrocínia, a história de amor que se viva facilitou a gestão da doença quer por parte do casal, quer por parte da família e amigos íntimos, que compreendiam e nunca discriminaram o Eduardo.
Por ter propriedade para isso, perguntámos à Patrocínia como é que se consegue passar pelo que ela passou. «Paciência e coragem. É preciso muita paciência e muita coragem, e muito amor. E se a pessoa teve uma vida sempre com uma grande ligação, será mais fácil, porque a pessoa não se vai afastar assim tão facilmente», revela. Porque até na doença, o amor pode ajudar a suavizar tempos que serão com certeza duros e difíceis de viver.

Ricardo Perna-
 
 http://www.familiacrista.com/noticias/familia/1475-o-drama-da-alzheimer.php